Por Luciane Ramos – Médica do trabalho, palestrante, consultora e sócia da ZenRe
Lego e Bem-Estar Corporativo: A Peça Surpreendente no Quebra-Cabeça da Saúde Mental
Uma notícia chamou a atenção do mundo corporativo: a Deloitte, uma das maiores empresas de consultoria do mundo, anunciou que subsidiará seus colaboradores com até US$ 1.000 anuais (cerca de R$ 5.600) para itens de bem-estar. E, entre esses itens, estão… Lego e quebra-cabeças.
A empresa afirma que a iniciativa tem como objetivo “empoderar e apoiar a jornada para ser bem-sucedido mentalmente, fisicamente e financeiramente, e viver seu propósito”. Mas o que blocos de montar têm a ver com bem-estar?
O que é bem-estar, afinal?
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o bem-estar é um estado de completo equilíbrio físico, mental e social — e não apenas a ausência de doenças.
Ou seja: trata-se da capacidade de lidar com as tensões da vida, trabalhar com produtividade e contribuir para a sociedade. Um conceito complexo e multifacetado.
Como o Lego entra nessa história?
Flow: o estado de concentração que promove bem-estar
O psicólogo Mihaly Csikszentmihalyi criou o conceito de “Flow”, que representa o estado mental de imersão total em uma atividade. Nessa condição, o tempo parece passar mais rápido, as distrações somem e o prazer da tarefa aumenta.
Brincar com Lego ou montar quebra-cabeças pode nos colocar nesse estado. São atividades que exigem foco, criatividade, raciocínio e oferecem recompensa imediata — a peça se encaixa, o quadro se forma. Isso traz bem-estar, foco e alívio do estresse.
Descompressão ativa no ambiente corporativo
A proposta da Deloitte visa oferecer aos funcionários momentos de imersão lúdica. Essas pausas restauradoras podem reduzir a tensão mental e favorecer a criatividade e a produtividade.
Mas Lego resolve tudo? Nem de perto.
Apesar da iniciativa ser criativa e simbólica, ela aborda apenas uma parte da saúde mental. O bem-estar, como vimos, é mais amplo. E há muitos outros fatores que precisam ser considerados pelas empresas:
- Bem-estar físico: sono, alimentação, sedentarismo.
- Bem-estar social: cultura organizacional, pertencimento, relações saudáveis no trabalho.
- Causas estruturais de estresse: prazos curtos, sobrecarga, falta de autonomia.
Dar um Lego pode ser uma forma de mostrar preocupação com o colaborador — mas não substitui uma gestão saudável.
A importância de olhar para o todo
A ação da Deloitte nos ensina três lições importantes:
- Bem-estar é individual: o que funciona para um pode não funcionar para outro. É necessário oferecer opções diversas.
- É um processo contínuo: manter a saúde mental exige ações regulares, não pontuais.
- Reflete a cultura da empresa: uma política de bem-estar de verdade precisa ir além do simbólico e atacar as causas do estresse no ambiente de trabalho.
Conclusão: o Lego é só uma peça
A iniciativa da Deloitte não resolve tudo, mas provoca um debate importante. Afinal, como podemos criar ambientes de trabalho mais humanos, saudáveis e sustentáveis?
Se um Lego pode abrir essa conversa — talvez valha cada centavo investido.